domingo, 14 de agosto de 2016

Saudi Arabia - um ano depois...

É... Já faz um ano vivendo aqui... passando calor, comendo areia e aprendendo... sempre aprendendo!
Finalmente tirei um tempinho pra comemorar esse um ano de Arábia e registrar minhas impressões desse tempo que passou aqui no blog que estava meio abandonado.

Mafi Mushkila é uma frase muito, muito, muito usada por aqui. Significa "sem problemas".
Ironicamente ouvimos muito quando TEM problema.
Vamos começar do início! Cheguei aqui toda receosa dessa vida nova que me esperava (tanto a de arábia como a de casada) e agora um ano depois o balanço é de muitas coisas positivas plantadas e colhidas nesse meio tempo.
Cheguei pianinha, com medo de fazer alguma coisa que não fosse bem vista. Saía de casa toda coberta, naquelas de não querer chamar atenção e me misturar com a multidão. Quantas broncas por demorar na hora de me arrumar porque o hijab não estava bem colocado! Não saía de casa sem lenço na cabeça! E quanto apanhei até conseguir colocar esse lenço perfeitamente e rapidinho. Comprei uns coloridos, com detalhes pra poder variar e hoje em dia é raro... aliás fazem meses que não uso.
 O medo passou. Fui vendo que as outras expatriadas não usavam e estava tudo bem... fui me cansando de ter que usar. Comecei a deixar enrolado no pescoço caso precisasse, depois ele passou a ficar na bolsa... até que parei, as vezes nem lembro de levar junto.
Agora meus lenços ficam lá guardadinhos no cabide e eu balanço bem bela meus cabelos por aqui.
 Nesse um ano somente uma vez nos chamaram a atenção por estarmos sem o véu na cabeça. Estávamos em 5 brasileiras no shopping falando alto, a polícia religiosa mandou colocar o véu, colocamos e eles foram embora. Tranquilo.


Uma das primeiras vezes que saí sem lenço em 2015. Morrendo de medo. haha
De hijab em Riade
Hoje em dia nem ligo

 E sair de casa? Era um parto!
No início esperava o marido chegar do trabalho pra poder dar um pulo no mercado ou no shopping. Depois arrumei um telefone de um motorista de confiança. Mas marcar a corrida num inglês-indiano difícil de entender e pagando caro pra percorrer 500 metros me podava toda e qualquer vontade de sair.
Daí um dia descobri o Careem, depois o Uber e foi como quebrar as correntes que me amarravam em casa! Lembro da primeira corrida, a desconfiança por tudo ser tão fácil! Baixa o aplicativo, seleciona onde quer ir, já estima o preço, em 5 minutos o motorista ta ali. Prontinho.
Ainda com medo? Porque eu ouvi um "não ande de Uber pois é perigoso, ainda mais vc que é jovem". Bobagem. Na pior das hipóteses posso mandar meu trajeto pro marido e ele acompanha caso algo saia da normalidade.
Lembro da primeira ida ao mercado sozinha, vocês podem achar ridículo mas foi um grito de liberdade! E agora nada me segura em casa se der vontade de sair. Ficou tão mais fácil!
Tive algumas situações chatas sim, como de estar esperando o taxi e um carro estranho parar e oferecer carona. Na primeira vez meio desavisada quase embarquei... fui em direção ao carro mas conferi a placa e não batia com a placa que eu estava esperando. Pulei pra trás! Não obrigada. De boba aqui é só o jeito de andar... Desde então sempre pergunto o nome do motorista e confiro a placa do carro. Algumas vezes também percebi que o motorista ia fazer o caminho mais comprido pra corrida sair mais cara... mas é só ficar de olho no mapa e mostrar que você sabe pra onde quer ir, mas isso até no Brasil acontece né não?

Às vezes assusta...

Outra coisa que mudou e muito foi o "TA TODO MUNDO ME OLHANDO!" Ora minha cara, convenhamos que você não ta com essa bola toda aí não hein.
No começo parecia que onde eu andava todos os olhinhos saindo daqueles niqabs se voltavam pra mim, me sentia observada por tudo e todos, como um et... Depois ou acostumou ou era coisa da minha cabeça mesmo.
Hoje em dia se tão me olhando nem noto. Claro que as vezes levo umas encaradas, mas na grande maioria das vezes é só impressão.
Lembro da primeira vez que uma árabe perguntou algo no mercado, fugi. Não entendi, parecia que ela estava me xingando. Bobagem, hoje em dia elas vem perguntar se o milho da latinha é melhor que o milho congelado. Vem perguntar onde eu pinto o cabelo ou se to procurando chocolate pra fazer cookies. E se xingarem em árabe vou sorrir e dizer "obrigada, mas prefiro comer com pão" porque em um ano ainda não aprendi a falar a língua daqui.
O bom de mercados em países que recebem muitos estrangeiros é a variedade de produtos importados que podemos encontrar, claro, tudo a seu devido preço...
E o que dizer das expectativas de ter que me contentar em ser dona de casa?
Chorei quando li em um documento minha ocupação antes de vir pra cá: "housewife" ou em bom português "do lar". Por que caralhos pediram meu diploma pra fazer o visto? E foi uma dor de cabeça a parte pois queriam um diploma com carimbos que meu original não tinha. Pra depois me resumir a uma palavrinha tida como xingamento nessa cultura moderna da mulher multitarefas e independente.
Mas eu vim cheia de projetos na manga, algum deles ia ocupar meu tempo. Melhorar o inglês, estudar fotografia, fazer faculdade, criar o blog e me empenhar no canal do Youtube, quem sabe buscar um trabalho na minha área, vender comida fitness... Muitas ideias pipocaram, ué, sou mulher moderna, segura essa marimba como diz Inês Brasil.
E fiz um pouco de tudo, fiz cursos, estudei busquei entrar pela porta em que a oportunidade batia e hoje em dia já estou trabalhando com uma coisa que amo muito, que me dedico e que busco cada dia aprender mais. As portas estão aí, basta ter coragem de girar a maçaneta.


E a vida fitness na Arábia? Ver meu peso subindo de elevador na balança, chegar a ter ansiedade pois não encontrava uma academia decente pra treinar. Primeiro porque na época só existia uma academia pra mulheres na cidade e o valor era de cair pra trás dura, segundo porque onde eu morava só tinha uma esteira velha e uma bicicleta sofrida e pra não continuar enumerando: eu não conhecia nada, as pessoas que eu conhecia não sabiam ajudar e tinha uma lei besta aqui na província que fechou outras academias pra mulher que existiam antes. Fora que no mercado o preço das comidas mais saudáveis ainda era convertido em reais na minha cabecinha e pagar 10 conto num maço de alface era algo inconcebível.
Nesse um ano compramos equipamentos e montamos uma pequena academia em casa, depois nos mudamos pra um lugar com uma academia novinha, descobri que tem aulas de tudo que imaginar e opções de cozinha saudável existem, mas tem que procurar e não é sempre. Brócolis por exemplo tem de 45 a 5 reais o kg, depende da sorte e do mercado.
Não sei se nossa percepção aumentou ou se realmente novas marcas apareceram, mas aos poucos ficou mais fácil encontrar opções legais, como pão sem açúcar, leite com mais proteína ou água com ph 8.
Mas a vida aqui não é muito amiga da boa forma. As mulheres não são estimuladas a se exercitarem, desde pequenas as meninas não praticam esportes nas escolas. A gente mal pode caminhar na rua, por culpa do calor ou da falta de estrutura. Não existe ir ao parque pra andar de bicicleta...
E a vida social se resume a ir jantar fora, ou se reunir pra comer algo. As redes de restaurantes do mundo todo estão presentes aqui, a variedade é infinita e sempre vai ter uma opção nova para "experimentar".
Se você não mora em um compound grande onde tem praças e parques privativos sua vida vai ser casa-mercado-shopping, tudo de carro - e esse é o meu caso. Engordar é inevitável por melhor que você coma...
 Então pra compensar aquela caminhada pra ir de um lugar a outro que a gente dá e nem nota no Brasil, eu preciso ralar na esteira, na piscina ou dando socos no saco de pancadas... Se cada gota de suor falasse eu teria testemunhas.

Tenho muitas histórias de academia pra contar, mas fica pra um outro post.
E o calor minha gente? Como lidar?
Nosso verão faz em torno de 45 graus durante o dia e a noite cai para uns 35... É incômodo, mas tudo aqui funciona na base do ar condicionado. Diferente do Brasil...
Quando cheguei, na primeira casa que morávamos tínhamos uns 5 AC que ficavam ligados 24h por dia. Cheguei com aquele medo que nos é familiar da conta de luz. Cada vez que saía desligava. Até que me dei conta que o país era outro e a necessidade também. Dormir sem ar condicionado no verão é algo fora de cogitação.
A parte de muitas coisas que me adaptei em um ano, o calor é algo que ainda não consigo conviver bem. Ainda mais que agora saio muito mais de casa durante o dia do que antes. E torro, literalmente. Já ganhei manchinhas na pele do sol.
Mas aguentar 45 graus no lombo com o ar seco é tranquilo perto do que vem a seguir: do nada a temperatura baixa pra 35 graus com muita umidade no ar... aí sim meu filho, socorro!
O ar fica pesado, difícil de respirar, a pele fica molhada e grudenta, o celular embaça, é pior... muito pior que 45 graus seco.
Já o inverno é gostoso, é friozinho, tem sol. Saudades inverno...s2



Nesse um ano fiz amigos que vou carregar pra sempre comigo, que me mostraram coisas novas, sotaques novos, perdemos um amigo muito querido que conhecemos aqui também :( e já senti aquele aperto de saudade quando outra amiga disse que estaria indo embora pra outro país. Faz parte da vida de quem mora fora. Mas é tão bom conhecer pessoas de outras realidades, com muitas histórias pra contar de experiências que a gente anseia em ter. Isso é legal.

Vários tipos de tâmaras. Fruta super comum por aqui.



Cerveja sem álcool horrivel

Na nossa casa antiga.



Tem muitas outras coisas que mudaram nesse tempo. Por exemplo de não tomar como verdade a experiência de apenas uma pessoa.
Tem muita gente que teve experiências ruins com algumas coisas daqui, e de fato algumas coisas são péssimas, mas nem tudo acontece da mesma forma para uns e para outros.
Tem quem venha, fique só em casa e odeie isso. Eu gosto de ficar em casa, de ficar com minha companhia, de ficar em silêncio, pra mim não é um probema... E tem outras pessoas que fazem muitas amizades e tem compromissos sociais todos os dias. Tem os que enfrentam problemas com o idioma e vêem nisso uma grande dificuldade, e tem os que por mais que não falem bem dão o seu jeito de se comunicar e se viram. O que não dá é pra deixar de fazer algo porque para uma pessoa aquilo não deu certo. Muito do que a gente lê por aí não corresponde com a realidade que você vai viver.
Eu pesquisei bastante antes de vir pra cá, e mesmo assim vim toda com medo de não usar o véu. Vim achando que mulher não podia trabalhar mesmo, vim cheia de experiências de outras pessoas que não corresponderam com a realidade que eu encontrei.
Só vivendo mesmo pra saber como é.



Eu nunca vou esquecer o que uma amiga me disse logo que cheguei: "o tempo passa muito rápido aqui, logo vai passar um ano e você vai olhar pra trás e ver que não fez muita coisa".
De fato o tempo voa aqui, passa rápido demais. E o medo desse conselho se tornar verdade me fez buscar o algo a mais. Ainda assim não fiz muita coisa, mas de um ano pra cá vejo que cresci em muitos aspectos, acumulei alguns conhecimentos. E o desafio continua de não deixar a peteca cair e fazer mais pra colher mais daqui a outro ano.

Em um evento benefiente organizado por mulheres expat.

Tem um lugar aqui que é como uma cidade fechada, dos funcionários da maior empresa de petróleo daqui. Mulher pode dirigir de boas lá dentro.

A comunidade de brasileiras aqui é bem grande, então nos organizamos uma vez por mês em um grande café da manhã. Sempre tem gente nova chegando e gente indo embora. É uma forma bacana de estar em contato com os conterrâneos, pois nem todos trabalham ou moram perto.

Claro que a cuia veio junto na mala! E esse compound da foto tem praia privativa. Biquinis são bem vindos!
A gente consegue se divertir também. 

Trouxe a cuia e vcs se perguntam: "mas e a erva?"
Sabiam que no Líbano eles tomam chimarrão também? E essa erva "Piporé" encontramos no mercado aqui, vem da Argentina.
Só um tererê pra espantar o calor...

Apaixonados por carros? Pois aqui eles custam bem menos! Bem menos mesmo! E a gasolina nem se fala, mais barata que água...

Café da manhã é um dos esportes preferidos. hahaha

O melhor bolo de limão da Arábia. De sabor e de visual. A comida daqui é muito gostosa.



Dragon fruit



8 comentários:

  1. Show de bola esse blog Gabi, parabéns e espero que nos próximos meses você tenha muito mais sucesso e aprendizados.

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  2. Muitoo bom Gabii :) adorei o/ Sorte !

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  3. Gabi,
    eu fiquei um mês em jubail e volto em novembro pra ficar. Foi pouvo tempo, porém De tudo o que eu li, o seu ponto de vista foi o que mais gostei. Tive a mesma impressão que você!

    " Tem muitas outras coisas que mudaram nesse tempo. Por exemplo de não tomar como verdade a experiência de apenas uma pessoa.
    Tem muita gente que teve experiências ruins com algumas coisas daqui, e de fato algumas coisas são péssimas, mas nem tudo acontece da mesma forma para uns e para outros.
    Tem quem venha, fique só em casa e odeie isso. Eu gosto de ficar ..."

    Kkkkkkkkkkkk eu simplesmente penso igual! Encontrei tantas pessoas com uma visao negativa que eu nao enxergava! A verdade é que, por sorte ou nao, eu fui bem tratada pelo país!

    Tudo de bom pra você e seu marido! SALAM!


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    1. Sorry pela demora Debora, tinha dado um tempo no blog. Mas é verdade, tem muita gente com visão negativa aqui. Ta certo que as condições tbm não ajudam, mas daí vai da gente "se ajudar".
      Eu tenho conquistado tantas coisas aqui, vivendo uma vida praticamente normal que as vezes penso que esse negócio de que atraimos o que pensamos é a mais pura verdade.
      Eu raramente ligo se tem arabes me olhando ou algo assim, e tenho pouquissimas experiencias com isso, já conheço pessoas que são super neuras com isso e já tiveram varias experiencias ruins. Como eu não dou bola, nem vejo se tão me encarando, e nem conto como experiencia... entre outras tantas coisas. Por eu pensar mais positivo sobre essa experiencia, eu tenho tido muitas portas se abrindo que é raro uma esposa ter. Tanto de trabalho como de aprendizado, cursos, experiencias.
      Que pena que não nos encontramos por aqui. Beijos!

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  4. Nossa! adoraria poder morar lá mais realmente acho que nunca poderia achar um trabalho por esses lugares, já morei em Oman e adorei demais!

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    1. Oi!
      Nunca diga nunca... mas mais provavel conseguir trabalho por aqui na área de petróleo mesmo.
      Não conheço Omã, mas todo mundo fala que é muito bonito. Quem sabe em breve visito.
      Obrigada por comentar!

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